quarta-feira, 23 de novembro de 2011

(citação)


“(...) Nós, agentes disfarçados e distribuídos pelas funções menos reveladoras, nós às vezes nos reconhecemos. A um certo modo de olhar, a um jeito de dar a mão, nós nos reconhecemos e a isto chamamos de amor. E então não é mais necessário o disfarce, embora não se fale, também não se mente, embora não se diga a verdade, também não é mais necessário dissimular. Amor (...) é quando nos é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o amor (...), porque o amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões. Há os que se voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal. É o contrário: amor é finalmente a pobreza. Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão daquilo que se pensava que era amor. E não é prêmio, por isso não envaidece. Amor não é prêmio, é uma condição concedida exclusivamente para aqueles que sem ele corromperiam a vida[1] com a dor pessoal. Isso não faz do amor uma exceção honrosa; ele é exatamente concedido aos maus agentes, aqueles que atrapalhariam tudo se não lhes fosse permitido adivinhar vagamente.”

Clarice Lispector

In: A Descoberta do Mundo. “Atualidade do ovo e da galinha (II)”. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. (p. 211)


[1] No original, “o ovo”.

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