achei,
por conta da introspecção a que me propus, que só fosse tratar,
nestes contos de parar o tempo, de coisas minhas. puro engano.
quando o dia seguinte é o dia seguinte a um golpe (de estado), não
há como não sujar as mãos...
sorte
a minha a de não abrir mais a televisão. de todo modo, sempre nos
chega, quando se acessa a rede virtual, tudo o que se evitou da forma
mais cabal.
e
quando o dia seguinte também o foi de uma decisão importante, se
não para o mundo, para mim, então não há o que fazer a não ser
encarar.
e
o que significa encarar?
primeiro
o fato de que se faz escolhas. foram, será?, as escolhas o que
derrubou a presidenta? segundo a opinião pública (se é que
isso existe num país dominado por uma rede de comunicação que é
ao mesmo tempo partido/legislativo/judiciário – não sendo nada
mais que seus próprios interesses...), as “más” escolhas são a
causa de sua ruína. que, entenda-se, parecem meramente pessoais –
não havia “aliados” (todos agora se espraiam no poder), não
havia contexto, não havia nada a não ser aquilo que se quis como
justificativa para o inominável, ou seja, a continuação das
desigualdades com o aval de corrupção e com a garantia de
sua inabalável naturalização.
o
que advirá de tudo isso não é difícil prever. menos provável é
o que poderá mover uma nação inteira que, conquanto espoliada,
segue cordeiramente seu destino como se inquestionável.
eu
questionei o meu. recusei-me a seguir num trabalho onde me senti
desrespeitada. talvez nem o tenha sido, deliberadamente, mas não me
foi possível seguir com um faz-de-conta a propósito de decisões
onde só me cabia decidir aquilo sobre o qual não carecia maior
decisão. isso não topo mais. se não me é dado o direito da
autonomia, ao menos seja visibilizada essa condição. minha
dificuldade até hoje em falar e decidir deve-se a que, em menina,
muito provavelmente fui o tempo inteiro confundida com atitudes
ambíguas, que me deixaram como marca uma insegurança absurda, que
só a muito custo consigo vencer em cada situação enfrentada ―
o que se reflete sobretudo naquilo que envolve o mundo da esfera
pública. não. até posso errar, mas erro sabendo que tentei
acertar. que a falta de decisão alheia não me afete mais, é o meu
lema. mas nisso, óbvio, sempre se magoa e, também, se é magoada.
faz parte, eu me digo. e sigo.
sorte
a minha (se é que isso também há...) a de encontrar o texto certo
na hora errada. ou seja, sempre que o tempo fecha (a hora errada), a
palavra certa me cai nas mãos. hoje ela veio por intermédio do
pensamento de goethe a partir de steiner, mas também a partir de um
cidadão bem brasileiro, mas que a mim me parece um cidadão do
mundo, tal a capacidade de visão (ampliada): jessé de souza.
a
essas criaturas dedico o dia seguinte. por poder torná-lo suportável
– e, quem sabe, o ponto de partida para mais uma superação.