quinta-feira, 12 de maio de 2016

o dia seguinte (da série: contos de parar o tempo)

achei, por conta da introspecção a que me propus, que só fosse tratar, nestes contos de parar o tempo, de coisas minhas. puro engano. quando o dia seguinte é o dia seguinte a um golpe (de estado), não há como não sujar as mãos...
sorte a minha a de não abrir mais a televisão. de todo modo, sempre nos chega, quando se acessa a rede virtual, tudo o que se evitou da forma mais cabal.
e quando o dia seguinte também o foi de uma decisão importante, se não para o mundo, para mim, então não há o que fazer a não ser encarar.
e o que significa encarar?
primeiro o fato de que se faz escolhas. foram, será?, as escolhas o que derrubou a presidenta? segundo a opinião pública (se é que isso existe num país dominado por uma rede de comunicação que é ao mesmo tempo partido/legislativo/judiciário – não sendo nada mais que seus próprios interesses...), as “más” escolhas são a causa de sua ruína. que, entenda-se, parecem meramente pessoais – não havia “aliados” (todos agora se espraiam no poder), não havia contexto, não havia nada a não ser aquilo que se quis como justificativa para o inominável, ou seja, a continuação das desigualdades com o aval de corrupção e com a garantia de sua inabalável naturalização.
o que advirá de tudo isso não é difícil prever. menos provável é o que poderá mover uma nação inteira que, conquanto espoliada, segue cordeiramente seu destino como se inquestionável.
eu questionei o meu. recusei-me a seguir num trabalho onde me senti desrespeitada. talvez nem o tenha sido, deliberadamente, mas não me foi possível seguir com um faz-de-conta a propósito de decisões onde só me cabia decidir aquilo sobre o qual não carecia maior decisão. isso não topo mais. se não me é dado o direito da autonomia, ao menos seja visibilizada essa condição. minha dificuldade até hoje em falar e decidir deve-se a que, em menina, muito provavelmente fui o tempo inteiro confundida com atitudes ambíguas, que me deixaram como marca uma insegurança absurda, que só a muito custo consigo vencer em cada situação enfrentada o que se reflete sobretudo naquilo que envolve o mundo da esfera pública. não. até posso errar, mas erro sabendo que tentei acertar. que a falta de decisão alheia não me afete mais, é o meu lema. mas nisso, óbvio, sempre se magoa e, também, se é magoada. faz parte, eu me digo. e sigo.
sorte a minha (se é que isso também há...) a de encontrar o texto certo na hora errada. ou seja, sempre que o tempo fecha (a hora errada), a palavra certa me cai nas mãos. hoje ela veio por intermédio do pensamento de goethe a partir de steiner, mas também a partir de um cidadão bem brasileiro, mas que a mim me parece um cidadão do mundo, tal a capacidade de visão (ampliada): jessé de souza.
a essas criaturas dedico o dia seguinte. por poder torná-lo suportável – e, quem sabe, o ponto de partida para mais uma superação.