quinta-feira, 24 de maio de 2012

nudez (da série: amores a se viver)

um dia deverei deixar
essa roupa que é meu corpo.
essa roupa que cresce,
muda e se esquece,
gera, adoece e se cura,
vive, vigora e fenece -
essa roupa que é
sábia e maluca.

como será no dia da 
libertação?
como será ser
sem aquilo em que por décadas
o meu ser se reconhece?
como será?...

(bendita seja, então, a vez
em que chegar a hora
dessa nudez.)


terça-feira, 22 de maio de 2012

(citação)

"Os nossos sonhos mais íntimos precisam ser regados, cultivados e plantados na realidade exterior. Toda vez que trabalhamos com o inconsciente por meio da imaginação ativa ou da meditação, 'derramamos água em nossos sonhos'. Alimentamo-los e ligamo-los à consciência, redimindo potenciais até então ocultos, de modo que possam ser usados em nossa vida diária. Estabelecendo o contato entre nossas fantasias inconscientes e nossas intenções conscientes, liberamos o espírito aprisionado na matéria, libertando novas intuições e introvisões outrora encerradas em nossas profundezas inconscientes, de modo que possam florescer na realidade. Damos a vida no aqui e agora a ideias e sonhos que anteriormente tínhamos cativos em elevadas racionalizações, transformando, ao fazê-lo, não só a nós mesmos senão também à natureza. Em outras palavras, mudamos, ao mesmo tempo, a qualidade da nossa vida pessoal e o caráter do inconsciente coletivo. No sítio sagrado em que se encontram a terra e as águas, tanto o pessoal quanto o universal são tocados e transformados."
(retirado de Jung e o tarô - uma jornada arquetípica, do texto "A estrela: raio de esperança", de Sallie Nichols)
 

quinta-feira, 10 de maio de 2012

(citação - de um poema que há muito me acompanha)

"para ser grande, sê inteiro.
nada teu exagera ou exclui.
sê todo em cada coisa.
põe quanto és no mínimo que fazes.
assim em cada lago 
a lua toda brilha
porque alta vive."
(fernando pessoa)

terça-feira, 8 de maio de 2012

é preciso ter coragem de ser feliz (ousadia)

era uma mulher negra, já com seus mais de cinquenta.
os olhos lacrimejavam - e ela me disse que já foi pior, agora está quase boa.
de minha parte, tinha ido deixar uma gata pra operar no parque das crianças, num esquema montado por meu pai que se articula com deus e quase todo mundo pra fazer com os gatos de rua o que o estado deveria fazer: castrá-los, alimentá-los, proporcionar-lhes o mínimo de dignidade.
e enquanto ele resolvia alguma coisa, eu fiquei olhando as muitas caixas que esperavam pela pessoa que levaria aquelas gatas para a castração.
foi quando ela chegou perto, e puxou conversa a propósito dos gatos.
percebi sua generosidade pela quantidade que cria: 12.
mas dos gatos foi passando pros filhos, pro abandono do marido, pro desolamento de se ver só, sem trabalho, sem casa, sem nada. foi quando falou que interpelou deus. e que até hoje pede perdão, porque "foi dura" com deus. disse: "deus, se é bem aventurado quem cuidou bem de seus pais, por que me deixou cair nesse abandono?"
e disse que teve tal força sua interpelação, que mesmo tendo desmaiado de fome e cansaço, quando acordou era outra. andou até uma fábrica, pediu emprego e conseguiu. não assim como eu narro, mas esperando a pessoa "certa" a quem se dirigir. disse que foi uma graça estar com todos os documentos (e desde então sempre anda com todos os seus documentos), porque não fora isso, não teria tido aquela solução. estava com três dias de parida - e o trabalho era pesado. mas arranjou o dinheiro do aluguel e conseguiu comida.
depois daquilo a vida mudou.
é o que ela diz.
os filhos se criaram.
já chegou a ser bisavó.
mas não esquece que um dia interpelou deus.
e pede perdão até hoje pela sua ousadia.
ao que, depois de tudo ouvir, eu só retruquei:
mas foi essa ousadia que salvou você! 

sexta-feira, 4 de maio de 2012

a outra face (da série: é preciso ter coragem de ser feliz)



eu sempre quis saber o que era o amor. amor com letra maiúscula, amor sem barreira, sem divisão, sem a ilusão de eu ou você. eu sempre quis um amor de verdade. sem critério de classe ou idade, de gênero ou de geração. eu sempre quis um amor para além da paixão.
mas viver no mundo humano tem seus reveses. um dia o amor diz que acabou. e mesmo que se saiba que amor nunca acaba, há que aceitar essa dor. o que fazer com ela é escolha nossa: música ou poesia, raiva, ira, depressão ou alegria – o cardápio de opções é grande, e tem muitas combinações.
eu escolhi viver o próprio amor. sem medo nem esperança. a cada dia me refazendo na ausência do que era uma presença infinita e linda. eu escolhi viver o amor e todas as minhas carências. eu escolhi o amor, porque eu sempre quis saber o que era o amor. e a ele não posso dar as costas, quando me mostra a sua outra face.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

o exercício (de série nenhuma...)

o exercício do olhar
é entrever
o exercício do tocar
é perceber
o exercício do falar
é se conter
o exercício do calar
é seu poder

o exercício do gostar
é bem querer
o exercício do aceitar
é se saber
o exercício de saber
é não lembrar
o exercício de lembrar
é se esquecer

 

terça-feira, 1 de maio de 2012

sonho (da série: amores a se viver)

... e foi de novo te encontrar, mas sem te ver.
e parecia tão real, que eu mesma acreditei te ter.
e era a gente andando juntas,
e era bom e feliz,
e era em outro país.
e tinha um amigo em comum,
e tinha teus parentes,
e tinha uma atmosfera diferente
daquela que pensamos conhecer.
era uma outra época, um outro país.

e tinha as coisas lindas que você produz –
e eram como poesia e encantamento
aos olhos meus, como que uma luz.
e era tanta cor e tanto bem elaborado
que eu fiquei como quem queda deslumbrado:
apaixonada sempre pelo que vem ti,
mesmo quando não vem nada –
e eu sei que é como um espelho:
o tudo e o nada são o que estão aqui.

poesia, silêncio e ousadia... (da série: é preciso ter coragem de ser feliz)

aproveite o mar calmo,
o tempo de dizer sim!
por todos os nãos que já disse,
pense que pode haver outro fim.
aproveite pra ver o tempo que parece não passar,
a vida que parece não prover,
o tempo que não arma pra chover.
aproveite, porque tudo isso também passa.
aproveite como quem bebe e acha graça
do non sense de que é feita a própria vida.
a vida, por si só, não pede nada.
é poesia, silêncio e ousadia,
mas de per si, não pede nada.