domingo, 25 de maio de 2014

pra branca (da série: amores possíveis)

o amor,
esse sentimento a que se atribui tanto da nossa própria sombra,
se faz é quando não se pensa nele.
é quando o gesto vira expressão.
é quando gesta-se uma nova ação.
é quando o medo, esse companheiro de eras e milênios,
concede licença poética
aos que se desapegam de si mesmos
e mergulham em novas paisagens
como se nelas estivessem à vontade
quando não estão
senão a esmo.

o amor,
esse sentimento em nome do qual se perpetra tantas barbáries,
se faz é no silêncio,
na escuta equânime do outro,
absolutamente isenta de julgamento,
na compreensão do ser
tal qual ele se faz
ali, pra você, nesse momento.

o amor,
esse sentimento em nome do qual se gestam todos os receios,
é a correnteza, a canoa, o condutor, o observador e o próprio rio,
é a aposta não no visível mas no vazio
da qual unicamente
pode um dia
advir
o cheio.

re.flexão (da série: por que faço poemas quando deveria estar trabalhando?...)

para cada ser famoso no mundo
há milhões de seres anônimos.
eu sou um deles.
e louvo a obra de arte
em que transformo cada um
dos meus anônimos instantes.

neste exato anônimo instante,
por exemplo,
assisto a um pôr do sol  
majestosamente anônimo
numa rua anônima
deitada numa rede anônima
ouvindo vizinhos anônimos
conversando com suas anônimas crianças.

(deve ter lá
 sua importância 
ser anônimo
num mundo
onde tudo o
que se procura
é a fama.)

instante (da série: é preciso ter coragem de ser)

vez em quando

é importante o tempo

de ter o tempo parado

num final de tarde

sozinha

na casinha

num domingo

de maio.



a zona toda

do sábado

agora é passado.

as urgências da segunda

ainda são futuro.

tudo o que resta

é este presente

estático

de onde

se tira

toda

a

vida

possível

de

um

único

instante.

loa a uma leonina (da série: mapas da alma)

saudade de mainha!
uma saudade que vem como coisa antiiiiga
que só se atualiza.
saudade da sua risada
e até do seu siso.
saudade de sua geladeira sempre farta
e de me jogar no chão da sua sala,
olhando sua estante e procurando meus livros.
saudade do seu jeito amigo.
saudade da sua elegância,
da sua voz de nana (caymmi),
do seu cuidado com nina (leonina)
e com todas as outras crianças:
saudade do seu canto!

ontem vi nosso bode louro tocando
e me dei conta que o menino virou homem:
saudade de ser avó perto
do seu ser selvagem,
saudade da sua coragem,
saudade!