“O ser humano
verdadeiro nunca tem inimizade com um outro ser. De sua mão sai a força
curadora; ele auxilia o doente ou o acidentado. Tem uma reserva de força de
crescimento que pode pôr à disposição do outro. É aquele que tem o pensar, o
sentir e o querer em equilíbrio.”
(retirado
do texto sobre o signo de Aquário)
O MILAGRE DA FONTE
Era uma vez um menino, filho único de
um guarda florestal pobre e que crescia na solidão do meio da mata. Afora seus
pais, ele conhecia pouca gente. Tinha uma estrutura fraca e sua pele era quase
transparente. Era fascinante fitar seus olhos, pois estes eram fonte dos mais
profundos milagres do espírito. Embora poucas pessoas entrassem no âmbito de
vida do menino, a este não faltavam amigos.
Quando a luz dourada do Sol refulgia
nas montanhas ao redor, o olhar pensativo do menino aspirava em sua alma o ouro
do espírito; a disposição de seu coração tornava-se, assim, qual a aurora. Mas
quando as nuvens escuras impediam os raios da aurora e um clima sombrio
encobria todos os cumes, o olhar do menino ficava triste e seu coração
melancólico.
Assim, ele estava entregue à vida
espiritual de seu mundo restrito, o qual não lhe era mais estranho do que os
membros de seu corpo. As árvores e flores da floresta também eram suas amigas;
das copas, pétalas e cumes falavam-lhe seres espirituais, e ele compreendia o
que estes lhe sussurravam. Os milagres de mundos ocultos se lhe abriam quando
sua alma conversava com o que parece inanimado à maioria das pessoas.
Frequentemente os pais, preocupados,
davam pela falta do filho querido. Nessas ocasiões, ele se achava em outro
lugar, onde nascia da rocha uma fonte, salpicando as pedras com milhares de
gotinhas. Quando o brilho argênteo da luz lunar se refletia em fantasmagóricas
cores, na torrente de gotas, o menino podia permanecer por horas ao lado da
nascente. Ante sua visão clarividente apareciam formas fantásticas no jogo da
água e no cintilar da claridade lunar. As formas condensavam-se em imagens de
três mulheres, que lhe falavam coisas ansiadas pela sua alma.
Uma vez, quando numa amena noite de
verão o menino estava sentado junto à fonte, uma das mulheres apanhou milhares
de pedacinhos do jogo colorido de gotas d’água e as deu à segunda mulher. Esta
moldou, das gotinhas, um cálice de brilho argênteo e o entregou à terceira
mulher. Esta o encheu de luz argêntea e o deu ao menino. Ele havia presenciado
tudo com sua vidência.
Na noite seguinte a essa experiência,
ele sonhou que um dragão feroz lhe roubava o cálice. E depois dessa noite o
menino vivenciou o milagre da fonte mais três vezes; então as mulheres não lhe
apareceram mais, mesmo quando ele estava sentado em meditação, ao lado da
nascente, banhado pela luz da Lua.
Haviam-se passado trezentas e sessenta
semanas desde a última vez em que as mulheres lhe apareceram; o menino há muito
se tornara um homem, tendo-se mudado da casa paterna e da floresta para uma
cidade estranha. Uma tarde, cansado do trabalho, pensando no que a vida ainda
lhe teria a oferecer, sentiu-se de repente como o menino que fora, transposto à
sua nascente na rocha, e novamente avistou as mulheres d’água, sendo que desta
vez escutou-as falar.
A primeira lhe disse:
― Lembra-te de mim toda vez que te
sentires solitário na vida. Eu atraio a visão anímica do homem para distâncias
etéricas e amplidões estelares. E a quem quiser sentir-me, estendo a poção da
esperança vital de meu copo milagroso.
A segunda também falou, dizendo-lhe o
seguinte:
― Não te esqueças de mim em momentos
que abalarem tua coragem. Eu dirijo os instintos do coração do homem para
profundezas da alma e alturas do espírito. E para quem busca suas forças comigo
eu forjo a energia da fé na vida, com meu martelo milagroso.
E a terceira se manifestou assim:
― Ergue teu olhar espiritual para mim
quando os enigmas da vida te assediarem. Eu teço os fios dos pensamentos em
labirintos da vida e em profundezas da alma. E para quem tem confiança em mim,
eu teço os raios do amor pela vida em meu tear milagroso.
Na noite que se seguiu àquela
experiência, o homem sonhou que um dragão feroz andava furtivamente à sua
volta, mas não podia aproximar-se dele: protegiam-no do dragão os entes que
outrora ele havia vislumbrado na fonte da rocha e que o vinham acompanhando,
desde sua terra natal, até esse lugar estranho.
Rudolf Steiner
(In: As Forças
Zodiacais – sua atuação na alma humana, de Gudrun Burkhard, Editora
Antroposófica, 1998)