domingo, 24 de setembro de 2017

é primavera (da série: contos de parar o tempo)

qual a primeira palavra a ser dita, quando é primavera?
talvez palavra nenhuma. 

talvez um gosto: o gosto do figo que roubei dos passarinhos, quando a figueira dá tantos que eles nem me percebem enquanto os olho deliciada com a delícia deles de os comerem.

talvez uma visão: a de que carvalhos e oliveiras posssam se compreender para além de todas as raízes, em prol das novas sementes que vão germinar ― e por isso a compaixão depois da paixão.

talvez uma sensação: a do calor que anime novamente os olhos de uma amiga quando no seu coração se aninha a tristeza profunda ao perceber que o mundo não é um em si, mas um constante recriar-se que inclui esse construir/destruir/construir/destruir... incessante! ― que aos mais desatentos faz parecer que a vida não tem sentido.

talvez um aroma: o de um ritual da infância que um menino evocou quando, ao modo de uma mana, come o chocolate bem devagarinho, como se disso dependesse o equilíbrio de tudo ― sentindo o sabor de cada pedacinho numa paciência infinita, da qual eu não o sabia possuidor.

talvez um som: o do coração que soa em sintonia com a música do mundo, vibrando com amor a despeito dos infortúnios, porque o tempo presente nunca é um tempo fácil, mas não se pode deixar de olhar ao redor e perceber que a natureza segue seu ritmo, incansável, de renovação ― e que como uma canção, e a depeito de!, a gente pode afirmar, contente: é primavera!