qual
a primeira palavra a ser dita, quando é primavera?
talvez
palavra nenhuma.
talvez
um gosto: o gosto do figo que roubei dos
passarinhos, quando a figueira dá tantos que eles nem me percebem
enquanto os olho deliciada com a delícia deles de os comerem.
talvez
uma visão: a de que carvalhos e oliveiras posssam se compreender
para além de todas as raízes, em prol das novas sementes que vão
germinar ― e por isso a compaixão depois da
paixão.
talvez
uma sensação: a do calor que anime novamente os olhos de uma amiga
quando no seu coração se aninha a tristeza profunda ao perceber que
o mundo não é um em si, mas um constante recriar-se que
inclui esse construir/destruir/construir/destruir...
incessante! ― que aos mais desatentos faz parecer que a
vida não tem sentido.
talvez
um aroma: o de um ritual da
infância que
um menino evocou
quando,
ao modo de uma mana, come o chocolate bem devagarinho, como se disso
dependesse o equilíbrio de tudo ― sentindo
o sabor de cada pedacinho numa paciência infinita, da qual eu não o
sabia possuidor.
talvez
um som: o do coração que soa em sintonia com a música do mundo,
vibrando com amor a despeito dos infortúnios, porque o tempo
presente nunca é um tempo fácil, mas não se pode deixar de olhar
ao redor e perceber que a natureza segue seu ritmo, incansável, de
renovação ― e que como uma canção, e a depeito
de!, a gente pode afirmar, contente: é primavera!