O
que é estar num palco? O que é tocar? O que é cantar? O que é se
apresentar?
Na
verdade, é algo muito complexo.
Ao
longo de toda a minha vida, venho procurando compreender como se dá
esse processo e o papel que a arte, enquanto uma dimensão (e para
além de sua funcionalidade quer como profissão quer como
diletantismo), exerce como ponte entre o ser que eu sou pra mim
ou comigo e o ser que sou para o mundo ou no mundo.
Mais
recentemente, quando num processo profundo de autoconhecimento fui
abrindo mão de tudo o que me dava segurança na intenção de
realmente descobrir o que me move e como me move, fui fazendo
descobertas fantásticas quanto a como aquilo que se cultiva
interiormente (enquanto respeito e veneração diante do que se faz e
dos sujeitos com que se lida em contextos de exposição) consegue
plasmar situações que proporcionam encontros cheios de significado
entre quem sobe no palco, por exemplo, e quem está fora dele.
Isso
extrapola, inclusive (sem minimizar o que seja a importância desse
aspecto), a questão do entretenimento. Há algo de não dito que se
materializa na relação que se estabelece entre o sujeito que
compartilha sua arte e aqueles que a recebem, quase como um cheiro,
um gosto, um alimento dentro de um ritual.
Quando
isso se dá, ocorre que as pessoas envolvidas ficam como que
encantadas, de tal modo que agradecem umas às outras,
continuamente, o efeito vivenciado, como uma graça ou um
presente. E esse efeito é de tal forma revitalizador, que até mesmo
padrões profundamente enraizados e enrijecidos abrem alas,
digamos assim, para um respirar, uma fluidez, um embevecimento
que como que religa o ser humano a aspectos que, nele, nunca
se deveriam ter separados: o material e o espiritual. É como se céu
e terra pudessem se abraçar e beijar ― e
o ser que cotidianamente se vê no meio de uma luta sem fim entre
forças opostas (e titânicas), pudesse finalmente descansar.
Esse
o papel que a arte cumpre, enquanto dimensão vívida, quando esse
abraço/beijo anímico
se dá. Qual pouso de pássaro, porém, dura pouco. E na volta aos
padrões da chamada realidade, o que se pode é guardar, como
um cheiro, um gosto, uma sensação, o enleio de que se foi sujeito,
para de novo encarar os aspectos mais pontiagudos da
existência ― sabendo, no entanto (mesmo
que só intimamente) que, apesar de todas as evidências com
que o excesso de materialidade não raro nos sobrecarrega, a vida é
fluidez, é movimento, é energia condensada, é luz.
(a
propósito da apresentação do Feito em Casa [gigi/paulinho/tauí +
luiz josé e samuel rocha] no encontro final da Consulta Popular na
COFECO no dia 16.11.2017)