sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

consigna de 2017 (da série: é preciso coragem...!)

... e porque os poetas sempre têm razão
mesmo quando não existe razão,
digamos com leminski
(e um decisivo recorte de gênero):
DISTRAÍD@S VENCEREMOS!...

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

poema do Tao pai (da série: gratidão!)

estou grávida de um homem.
um homem que todo dia dá à luz a si mesmo.
um homem que ao mundo veio
pelas minhas entranhas e que não está a esmo.
estou grávida de um homem
e de todos os homens e mulheres
que a partir de suas dores
mexem na panela do mundo
sendo eles mesmos as colheres... e a comida!
estou grávida desses todos
que dão não o que lhes chega
pela abundância ou como dom,
mas a sua própria vida!
estou grávida de um varão
que sob o signo de escorpião
um dia, há 30 anos, chegou aqui.
estou grávida desse homem — e sou feliz.
ele é o (o pai do) Tao — e é tão...! —
e é mais do que yang ou yin,
o caminho e a mutação:
Tauí!

domingo, 23 de outubro de 2016

o encontro (da série: a vida é feita de sincronicidades)


passou o dia a articular o que seria o encontro para a entrega de um livro emprestado por outrem. e combinou isso e aquilo. e deixa na casa de uma amiga não, da amiga, não: ela não atende o telefone... ah, então deixa na tua casa mesmo, eu passo pra pegar quando der... vixe, acho que dá pra hoje ― e nisso o dia consumiu-se, até que saiu de casa pra resolver centas outras coisas.
pois. perseguido e conseguido o primeiro objetivo ― imprimiu contas, pagou-as na lotérica e seguiu ―, viu que melhor seria passar logo na casa de outra amiga e deixar-lhe, por sua vez, um livro que você emprestaria. passou. a amiga não estava, mas sentiu que adiantou algo que, depois da aula que daria à noite, se tornaria mais complexo, dada a vontade de conversar que se instalaria frente ao neto que em casa a esperava, e ela queria ver. feito isso, rumou pra entrega de outros produtos, mais perecíveis, na casa do pai. toma a ciclofaixa. de pronto escuta uma buzina. mas são tantas buzinas no mundo, por que teria que ser comigo?
eis que o celular no bolso vibra. em movimento mesmo atende ― tem aprendido algo de equilibrismo nos últimos tempos. pois não é que era a amiga do livro que você mesmo pedira? e o que ela diz: acabei de te ver passar por mim. você: massa! pois deixa o livro em casa, que passo pra pegar depois de ir no meu pai. ela: tá comigo, aqui; vou parar no próximo sinal.
nem precisou de sinal, visto o engarrafamento habitual. mas você quase foi atropelada por outra bicicleta, tanto foi o entusiasmo ao perceber as artimanhas dessa sincronicidade, que!...
quando ela baixa o vidro do carro e lhe entrega o livro, você só tem tempo de dizer: grata, querida! e ainda tem quem não creia em deus!...
o resto do dia foi pouco pra assimilar o quanto há de trabalho pra que a gente simplesmente seja e deixe ser aquilo que no mundo precisa existir.

domingo, 9 de outubro de 2016

cenas de um domingo de outubro (da série: é preciso ter coragem)


a vida é como andar de bicicleta já dizia alguém.
e deve ser. o equilíbrio fino entre o manter-se sobre duas rodas e o ir ao chão por um lapso ou por um nada.
mas num domingo pode ser que a cidade, sempre (ou quase sempre) hostil (tenho uma amiga cujo pulso quebrado é prova disso), te acolha com um caminho todo feito já de manhãzinha até onde você vai tocar e aí você toque pra passantes ou para você mesma ou para seus amigos de gig (dentre os quais seu próprio filho), e seja feliz só por poder cantar: “e se eu vier na contramão/de bicicleta e violão?”... não na gig, é claro, mas pra você mesma, indo e voltando, com dor nas costas mas ciente cada vez mais de onde te doem as dores pra, quem sabe?, uma hora dessas se curar!
e aí de volta, a casa te acolhe, linda e suja como você a deixou. a vontade de limpar é grande, mas o cansaço da semana é maior. aí você põe o biquini, bota a roupa pra lavar na função “25 minutos” pra recolher a água de lavar o quindim, e se deita pra descansar uma hora. dá duas, dá três, dá quatro e só quase no final da tarde é que a ressaca passa. não tendo bebido nem fumado, sabe-se bem o que é ressaca quando ainda assim parece que algo maior que você te pegou.
acordada, você pensa que agora, sim, a coragem voltou!, você vai limpar toda a casa como sempre limpou. engano. ledo engano. com o que sobrou daquilo que te consumiu a semana toda (ao ler um livro chamado “alegria” você chorou como quase nunca mais em toda a sua vida...), é possível lavar o corredor, estender a roupa e limpar a frente da casa. o mais fica pra segunda. segunda é o dia em que tudo se resolve. mas já a sensação é melhor que a de quando, ao meio dia, se chegou.
tomado o banho e sentindo a fome do almoço que se pulou, você pensa em ir atrás de comida (cozinhar é para os fortes!...), mas a vizinha te dá uma torta de frango e você se aquieta, já pronta que estava pra sair na direção de uma “jantinha” que custa o preço pelo qual você vende um pão. faz um suco, um café, senta pra ver um filme. aí gritam na sua porta: “maria!!!” você toma um susto, porque pense: noite de domingo!... você dá comida e água. não é o bastante: o sujeito fica parado na sua porta. e chora. e está num estado lastimável. entre você e ele, um portão vazado de ferro e nada mais. mas você também está num estado lastimável: você se impacienta com alguém que te chama de maria, que te grita num domingo e que bêbado e sujo não tem ninguém a quem recorrer. na verdade, não se sabe quem está num estado mais lastimável... mas você ensaia paciência e diz-lhe: “tome seu rumo!” ele não parece ouvir, o que lhe soa como uma provocação. e o mundo todo de injustiças passa na sua cabeça antes que novamente você repita: “tome seu rumo!”
que rumo? deve ser o que ele rumina enquanto emite algo que você não compreende nem quer compreender. você anda cansada de compreender. você anda cansada. tão cansada que quando abre suas mensagens e dá-se conta de que lida com mais energias tronchas do que a sua vã consciência considera, alguma coisa clama mais fundo pra que nenhum pensamento você nessa hora emita: e aí você assiste não um, mas dois filmes sobre john lennon e sua questão com a mãe e a tia.
e nesse ínterim, um burro – sim, um burro –, quase como que um convidado ilustre, assoma na calçada. você olha tudo aquilo: você, o mendigo e o burro – e a história de lennon e todas as histórias que te circundam, e uma sensação indizível de que não há como a arte não imitar a vida lhe invade. é um segundo só de insight, mas vale pelo dia inteiro, pela semana – e pela vida toda. e aí você desiste de ser má, larga mão do sujeito que te incomoda e se recolhe. fecha a porta não mais porque ele vá te invadir, mas pra não incomodá-lo com tudo aquilo que você ainda não equalizou e pode aumentar um pouco mais a carga do infeliz.
quando se dá conta, aquele já se foi e chega outro – o que todo dia estende seu papelão na sua porta mas que de tão familiar já é quase como um parente. jesus é o seu nome. sem mais pensar, você finalmente assente: que assim seja, então! amém.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

soins... (da série: é preciso ter coragem de se encantar!)

pois. e a casinha abriga agora uma família de soins... abriga talvez seja dizer muito: acolhe, quando ela resolve aparecer. e dá-lhe banana pra comer.
os gatos, enlouquecidos, são distraídos com ração.
o povo que passa na rua, em si mesmo retraído, sequer percebe a ação.
mas a vida um pouco pára quando aqueles sons que me chamaram a atenção como se de passarinhos fossem, se aproximam e provocam minha reação. o que quer que se esteja a fazer é menor diante da beleza daquele pai, daquela mãe e daqueles dois miudinhos que saltam pela grade e me olham com olhos furtivos, certos de que não vou lhes machucar. é o próprio milagre da vida diante de mim. e eu me curvo diante dele, simplesmente encantada.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

tristeza é uma forma de preguiça? (da série: das coisas novas em mim)

ah, que as sempre muitas questões nos afligindo!...
pois se tristeza é uma forma de, já fui muito preguiçosa.
sentia tristeza de monte, tantão!
acho que depois da infância, e sobretudo da morte da mãe, tristeza podia ser um outro jeito de me chamar.
pa-ra-do-xal-mente, porém, ou ao menos para quem menos me conhecia, essa tristeza não aparecia. no seu lugar – e talvez por necessidade mais do que por cálculo – o que vinha era o impulso de seguir, quase como um boi numa boiada em que perigo seria parar.
de uns tempos pra cá, no entanto, mudei. não da noite pro dia, nem do vinho para a água. mudei de vontade de ser. e mesmo à custa de mim: os perrengues que me causam ter me voltado mais em direção a isso que é só um florescer têm me aprontado.
sinto-me, contudo, mais sólida. não no sentido da frase: “tudo o que é sólido desmancha no ar”, mas justamente por sempre ter sido mais o ar e mesmo a água em mim, sentir-me sólida nada tem a ver com dureza, mas com o seu desfazimento.
nossa, nem sei como alguém me pôde amar antes de eu ser eu como sou agora. e nem que esteja no ponto (rs). mas ter abdicado da tristeza como condição deu-me tantas possibilidades – mesmo que eu ainda mal possa me mexer – que!...
nisso, a gratidão chega-me mais facilmente, as raivas se desfazem quase que como consequência, e as mágoas – essas, bem, essas más águas têm perdido sua qualidade de veneno e adquirido fluidez. de estagnadas, começam por emanar vida.
e é tão rico tudo isso, que chego a pensar que a tristeza deve ser mesmo uma forma de preguiça. agora dei de exercitar-me todo dia!

sexta-feira, 15 de julho de 2016

amor (da série: contos de parar o tempo)


com 35 anos te conheci. estava no vigor dos meus anos. tudo me parecia possível. trabalhava com crianças ― e de muita gente adulta ainda não tinha dó, como tenho hoje, em que sobra em compaixão o que àquela época me faltava em paciência.
paciência.
aprendi contigo a paciência.
a paciência dos ursos em hibernação.
a paciências dos índios em plena ação.
a paciência das baleias em gestação.
sim, contigo aprendi a paciência.
aquela que não tiveste comigo, quando mais dela precisei.
mas de tudo fica um bom.
o bom de teres me deixado foi que a mim mesma pude reencontrar,
não facilmente, mas antes que a morte me chegasse, como um dia vai chegar.
e disso tenho tirado proveito.
assim: me experimento de formas nunca antes desejadas.
tenho tido lampejos!
tenho feito de mim algo um pouco mais leve do que aquilo que te impus.
só lamento que a distância tenha nos deixado quase imunes uma à outra.
gosto (do verbo gostar) do gosto (substantivo) do amor.
gosto do amor, mesmo quando ele me vira as costas.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

o dia seguinte (da série: contos de parar o tempo)

achei, por conta da introspecção a que me propus, que só fosse tratar, nestes contos de parar o tempo, de coisas minhas. puro engano. quando o dia seguinte é o dia seguinte a um golpe (de estado), não há como não sujar as mãos...
sorte a minha a de não abrir mais a televisão. de todo modo, sempre nos chega, quando se acessa a rede virtual, tudo o que se evitou da forma mais cabal.
e quando o dia seguinte também o foi de uma decisão importante, se não para o mundo, para mim, então não há o que fazer a não ser encarar.
e o que significa encarar?
primeiro o fato de que se faz escolhas. foram, será?, as escolhas o que derrubou a presidenta? segundo a opinião pública (se é que isso existe num país dominado por uma rede de comunicação que é ao mesmo tempo partido/legislativo/judiciário – não sendo nada mais que seus próprios interesses...), as “más” escolhas são a causa de sua ruína. que, entenda-se, parecem meramente pessoais – não havia “aliados” (todos agora se espraiam no poder), não havia contexto, não havia nada a não ser aquilo que se quis como justificativa para o inominável, ou seja, a continuação das desigualdades com o aval de corrupção e com a garantia de sua inabalável naturalização.
o que advirá de tudo isso não é difícil prever. menos provável é o que poderá mover uma nação inteira que, conquanto espoliada, segue cordeiramente seu destino como se inquestionável.
eu questionei o meu. recusei-me a seguir num trabalho onde me senti desrespeitada. talvez nem o tenha sido, deliberadamente, mas não me foi possível seguir com um faz-de-conta a propósito de decisões onde só me cabia decidir aquilo sobre o qual não carecia maior decisão. isso não topo mais. se não me é dado o direito da autonomia, ao menos seja visibilizada essa condição. minha dificuldade até hoje em falar e decidir deve-se a que, em menina, muito provavelmente fui o tempo inteiro confundida com atitudes ambíguas, que me deixaram como marca uma insegurança absurda, que só a muito custo consigo vencer em cada situação enfrentada o que se reflete sobretudo naquilo que envolve o mundo da esfera pública. não. até posso errar, mas erro sabendo que tentei acertar. que a falta de decisão alheia não me afete mais, é o meu lema. mas nisso, óbvio, sempre se magoa e, também, se é magoada. faz parte, eu me digo. e sigo.
sorte a minha (se é que isso também há...) a de encontrar o texto certo na hora errada. ou seja, sempre que o tempo fecha (a hora errada), a palavra certa me cai nas mãos. hoje ela veio por intermédio do pensamento de goethe a partir de steiner, mas também a partir de um cidadão bem brasileiro, mas que a mim me parece um cidadão do mundo, tal a capacidade de visão (ampliada): jessé de souza.
a essas criaturas dedico o dia seguinte. por poder torná-lo suportável – e, quem sabe, o ponto de partida para mais uma superação.

domingo, 10 de abril de 2016

medit.ação (da série: série nenhuma)

há dias tão longos

e tão plenos

que não me permitem sequer o momento 
 
da medit.ação.

esses são dias em que o próprio dia
 
é a oração.

mãe... pra que mesmo é serve? (da série: contos de parar o tempo)

a mania de por ordem em tudo já afastou muita gente. e ainda afasta. mesmo os filhos. também, pra que serve mãe depois que se cresce? talvez, de vez em quando, pra cuidar dos netos. ou pra escutar queixas de cansaço. quem sabe, pra compartilhar aquilo que ela tiver quando nada mais restar do que se esbanjou.
por ausência absoluta de mãe em quase toda a vida, não conseguia dar essa resposta...
daí ensaiou imaginar. pode ser que mãe sirva pra gastar seu tempo no que ela quiser, e não apenas no que é útil. oxalá mãe sirva pra realizar seus próprios sonhos, e não os de outrem. se se puder ser um pouco mais condescendente, talvez até mesmo mãe namore, case, separe, namore de novo ou escolha, à revelia do que impõe a ordem vigente, a solidão não como castigo, mas como boa companhia.
há quem diga que mãe serve mesmo quando não serve pra nada: mãe pode também ser cuidada. maioria absoluta continua achando que mãe é pra se dar presente no dia das mães ou nas festas de natal ou de aniversário... nada de tão vário.
poucos, porém, refletem. refletir é ato raro em tempo louco.
mas desses poucos, por fim, pode ser que um dia um expedicionário qualquer, numa escavação de antigas eras (entre drives, dvd's e restos de uma civilização cibernética) descubra que mãe foi um dia a origem de tudo. sem mães o mundo simplesmente não existiria. e que mesmo as mães que nunca serviram senão para nada além disso (ou seja, para dar à luz a alguém no mundo) são motivo de reverência e gratidão. esse ser futuro, nascido de si mesmo a partir de profunda inspiração, pode então recolher todas as lágrimas, toda a doação, toda a dor que as mães deixaram como adubo para um mundo onde não sejam mais de fato necessárias.

sábado, 26 de março de 2016

presente (da série: amores presentes)

eu já nem lembrava mais
como eras tão bonita!
e como o mundo inteiro resplandia
quando ao invés de te expressar com palavras,
simplesmente sorrias.

e foi assim sem que eu me desse conta,
um encontro inesperado e mesmo prosaico
(porém completamente verdadeiro)
que se pode dar em meio à multidão
mas que nosso caso deu-se no banheiro:

abriste-te em risos,
eu me desarmei;
floriste inteira
e eu, surpresa,
todos os meus sisos
descartei.

e aí te foste:
como sempre, menina,
ameaçando o mundo
com tua graça fina.

e eu, do portão,
mirei-te
não como se mira um
outro ser humano
mas como quem adivinha
os planos mais profundos,
e profanos,
com que se urde a vida inteira
e seus enigmas -
e os dei-te!

(pra neguinha)

terça-feira, 15 de março de 2016

co.memor.ação! (da série: amores sempre!)

a você,

que dividiu comigo

os caminhos

as dores

e as alegrias,

minha gratidão!



que possamos,

no entardecer
  
da vida,

dividir o planeta
 
e suas melodias
 
- sua imensidão!


que possamos,

como o mundo

e seu saber profundo,

ser sábias e simples:

como o início de tudo,
 
como uma canção.

terça-feira, 8 de março de 2016

18 (da série: amores presentes)

não é 1
nem são 2
e nem 8:
são 18!

anos há,
em que nos 
furtamos
de comemorar.

mas eu sou 
feliz assim mesmo:
não se mede amor
pela quantidade de desejo.

parabéns pra nós!
parabéns pra vida!
do amor, da coragem e de nós
há de haver uma outra medida!

 

segunda-feira, 7 de março de 2016

repentinas (da série: é preciso ter coragem)

às vezes passo o dia
- às vezes passo dias! -
em busca de mim mesma,
seguindo uma disciplina 
que a muito custo 
consegui, não me impor mas,
construir.

aí de repente,
sem que eu espere
ou já no auge 
de um desespero controlado,
o encontro vem.
por meio de qualquer coisa
ou de qualquer ser.

hoje ele chegou de várias formas:
no encontro com o Tao
(ele de carro, eu de bike,
ele a dizer: quero ir contigo
e eu a dizer: eu te amo!),
no mar revolto que
não se deixou penetrar,
no beija-flor que,
inesperadamente,
se escondeu e se mostrou
- a me dar conta
de que as graças 
são mesmo assim:
repentinas!

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

canções-surpresa (da série: "contos de parar o tempo")

(― bênça, vó!)
como era possível escutar isso nem bem o filho tinha nascido? mas foi assim. sempre. uma escuta anterior daquilo que nem se adivinha. e, se se adivinha, nem se acredita saber. pois com o neto fora assim. chegara muito antes do tempo. falara ainda quando nem tinha voz.
agora era já um presente, desses que irrefutável. entrava, saía. se danava. menino como nunca fora o seu: de meter o dedo em tomada, de correr com os gatos, de rasgar as folhas das plantas. e em tudo isso ela de novo via o que ninguém podia imaginar, achando só que ela era permissiva: o homem feito, firme sobre seus próprios pés.
mas como explicar?
porque pra ela tinha os estudos, claro. tinha a solidão que sempre a acompanhara. tinha agora a própria mania de escutar o que não se diz e ver o que não é luz. e pra quem acredita que o sujeito é só aquilo que parece ser? difícil. de todo modo, tentava. aparava os feitos do pequeno, intermediava, dava a cara a tapa – sabendo que um dia, assim como o ouvira tão logo parira o filho, se veria que toda malcriação é uma forma de adaptação ao mundo.
e que mundo! tudo tão cercado de mistério mas tão prenhe de rudeza... esperava estar sempre por perto pra, quando ele precisasse, acudir. porque gente adulta é séria demais, dura demais, rígida demais pra ver nas danações um recado dos céus.
como mediação, pra não ter raiva do que não deve ter, se recorda: teve um tempo em que ela também endurecera. longo tempo, em que só cria naquilo que via, enquanto tudo em redor gritava em cores, em sons, em atos que ela simplesmente não sabia ler. até que tombou – e foi tão grande a queda, que acordou. desde então percebe. e pensa. e porque pensa não como um acaso mas de modo desejado (o que é o mesmo que dizer: de modo pensado), sabe. não dá conta de mensurar o que essa forma de ser lhe custou, mas agradece e vai.
por isso não lhe pesa a vida. o neto, nisso tudo, é quase um lenitivo. naquilo que o seu entorno vê uma carga, ela percebe a beleza. tem olhos outros? não, os seus são bem comuns. desde, porém, que se descobriu não mais dona nem da verdade nem de coisa alguma, foi uma libertação: podia acertar como podia errar, eita coisa boa! eita coisa humana! não era deus nem deusa: podia só ser. e se experimentar. daí que resolveu, como quando era jovem, crer. e crer, quando não se tem costume, pode dar muito trabalho. mas ela sempre teve muito trabalho! então crer agora era de uma leveza que só mesmo quem comeu o pão que o d. amassou pode saber. saber de sabor. sabor de labor. labor de amor – porque no fundo é tudo um só exercício.
ah, mas e o menino? crescia. agora mesmo o pôs pra dormir, enquanto ele lhe punha à prova: você só sabe cantar essa música? não, sei um monte. ― pois cante outra. cante uma surpresa. provocadorzinho, ainda por cima. e ela, como quem embala não apenas um menino, a desfiar canções-surpresa como se o equilíbrio do universo disso dependesse: grave como um poeta, solta como a própria poesia.

(a proposta dos "contos de parar o tempo" é a de um conto por mês - e tem como referência, ou como inspiração, a proposta do blog duas tábuas, de lívia soares, de um vídeo por dia em 2016. é bem menos do que ela faz, mas é do que dou conta - rs. este primeiro é o do mês de janeiro - sob o sol já em aquário.)

domingo, 17 de janeiro de 2016

de uma noite de domingo em meio à qual (da série: o amor e a calma nos guiarão)

quanto pode o amor!


às vezes só me sento e contemplo,


mas sinto em mim -


mais que o tempo


e o que vejo -


o mundo inteiro.







sábado, 9 de janeiro de 2016

citação (da série: o amor e a calma nos guiarão)

Cheguei à terrível conclusão de que sou o elemento decisivo.
É a minha abordagem que cria o clima.
É o meu humor diário que faz o tempo.
Possuo o tremendo poder de tornar a vida miserável ou prazerosa.
Posso ser uma ferramenta de tortura ou um instrumento de inspiração;
posso humilhar ou ter humor, machucar ou curar;
Em todas as situações, é a minha resposta que decide se uma crise escala ou desescala, se uma pessoa é humanizada ou desumanizada.
Se tratamos as pessoas como elas são, nós as tornamos piores.
Se tratamos as pessoas como elas deveriam ser, nós as ajudamos a se tornar o que elas são capazes de se tornar.” 
(Johann Wolfgang von Goethe)