quinta-feira, 22 de março de 2012

a menina que catava minhocas (da série: amores a se viver)

era uma vez uma menina que catava minhocas.
catava minhocas como u’a diversão.
(o que é o mesmo que dizer:
catava minhocas como u’a oração.)
sua principal ação era ver como a terra respondia,
e nisso seu grande guia eram as minhocas e sua situação.
assim: se a terra não tinha minhocas,
de cuidados precisava.
se tinha poucas minhocas,
de ajustes necessitava.
e se tinha mais minhocas,
pronta pra plantar ela estava.

na verdade, a menina gostava mesmo era da terra.
o que é o mesmo que dizer:
a menina gostava dos seres, humanos e dos que estão por ser.
as minhocas eram só o mote pra dizer desse amor.

quinta-feira, 15 de março de 2012

da série - gatinhos (a solidão dos gatos)

a solidão dos gatos
é não saberem-se gatos
às vezes pensam que são gente
e acordam em meio a pesadelos
de humanos seres –
e sonham com saberem-se gatos
um dia, talvez, quando renascerem...

da série - é preciso ter coragem de ser feliz (como uma flor de mimulus)

tenho tido que aprender
a me espalhar
a ser ampla
(generosa, até)
maior do que eu
— eu que sempre me achei mince
(que no francês quer dizer pequena...)
não que não saiba do que sou capaz
mas sempre me sentindo como o personagem do pessoa
em “tabacaria”: a única em que a vida bate,
diante de tant@s que sempre parecem mais!
pois a vida me chamou num canto
e me disse: cresce, menina!
e quando a vida chama, não há como não ouvir.
há quem se aventure a ignorar o que ela diz —
não é à toa que tem tanta gente em sofrimento nesse mundo!...
mas eu, que me decidi por ser feliz,
não posso me dar esse luxo.
a vida chama, eu atendo.
respondo do meu jeito,
do que jeito que dá,
do que jeito que posso,
do que jeito que vou construindo
sobre os próprios restos do meu ser em cacos.
não posso dizer que seja o mais divertido nem que
me prescreveria isso, pudesse ter alternativa.
mas aceito.
e aceito com compaixão de mim mesma,
ou seja: cuidando do que ainda é frágil,
do que é como uma flor de mimulus.
ao mesmo tempo, me abrindo pro que me fechei,
sorrindo pro que já neguei,
dizendo sim ao que não considerei.
sou diferente de mim?
provavelmente, sim.
possivelmente, não.
sou esse emaranhado de sentires sem rei.
acho que talvez assim seja mais fácil me criar:
ser o que sou sem lei nenhuma
a não ser alguma que me leve
a amar.

quinta-feira, 8 de março de 2012

travessia


como lidar com o novo em mim
se tudo permanece o mesmo (a casa, os móveis, os rostos, os nós...)?
ou como lidar com o que permanece em mim
com o novo que chega veloz como um travesso?
como lidar comigo?
com o novo?
com o que permanece?
com o mesmo e com o diferente?...
em mim tudo pulsa
com um pensar que sente.
e às vezes dói o não saber
que pouco a pouco destrói
todas as certezas de antigamente...
é verdadeiramente uma travessia
esse estado que continuamente desmente
o que eu julgava ser
- e nada bota no lugar,
a não ser um leve sopro paciente
do que inda não é
mas se sabe um dia
já presente.