sexta-feira, 17 de novembro de 2017

da função da arte (da série: mapas da alma)

O que é estar num palco? O que é tocar? O que é cantar? O que é se apresentar?
Na verdade, é algo muito complexo.
Ao longo de toda a minha vida, venho procurando compreender como se dá esse processo e o papel que a arte, enquanto uma dimensão (e para além de sua funcionalidade quer como profissão quer como diletantismo), exerce como ponte entre o ser que eu sou pra mim ou comigo e o ser que sou para o mundo ou no mundo.
Mais recentemente, quando num processo profundo de autoconhecimento fui abrindo mão de tudo o que me dava segurança na intenção de realmente descobrir o que me move e como me move, fui fazendo descobertas fantásticas quanto a como aquilo que se cultiva interiormente (enquanto respeito e veneração diante do que se faz e dos sujeitos com que se lida em contextos de exposição) consegue plasmar situações que proporcionam encontros cheios de significado entre quem sobe no palco, por exemplo, e quem está fora dele.
Isso extrapola, inclusive (sem minimizar o que seja a importância desse aspecto), a questão do entretenimento. Há algo de não dito que se materializa na relação que se estabelece entre o sujeito que compartilha sua arte e aqueles que a recebem, quase como um cheiro, um gosto, um alimento dentro de um ritual.
Quando isso se dá, ocorre que as pessoas envolvidas ficam como que encantadas, de tal modo que agradecem umas às outras, continuamente, o efeito vivenciado, como uma graça ou um presente. E esse efeito é de tal forma revitalizador, que até mesmo padrões profundamente enraizados e enrijecidos abrem alas, digamos assim, para um respirar, uma fluidez, um embevecimento que como que religa o ser humano a aspectos que, nele, nunca se deveriam ter separados: o material e o espiritual. É como se céu e terra pudessem se abraçar e beijar e o ser que cotidianamente se vê no meio de uma luta sem fim entre forças opostas (e titânicas), pudesse finalmente descansar.

Esse o papel que a arte cumpre, enquanto dimensão vívida, quando esse abraço/beijo anímico se dá. Qual pouso de pássaro, porém, dura pouco. E na volta aos padrões da chamada realidade, o que se pode é guardar, como um cheiro, um gosto, uma sensação, o enleio de que se foi sujeito, para de novo encarar os aspectos mais pontiagudos da existência sabendo, no entanto (mesmo que só intimamente) que, apesar de todas as evidências com que o excesso de materialidade não raro nos sobrecarrega, a vida é fluidez, é movimento, é energia condensada, é luz.
(a propósito da apresentação do Feito em Casa [gigi/paulinho/tauí + luiz josé e samuel rocha] no encontro final da Consulta Popular na COFECO no dia 16.11.2017)

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