(―
bênça, vó!)
como
era possível escutar isso nem bem o filho tinha nascido? mas foi
assim. sempre. uma escuta anterior daquilo que nem se adivinha. e, se
se adivinha, nem se acredita saber. pois com o neto fora assim.
chegara muito antes do tempo. falara ainda quando nem tinha voz.
agora
era já um presente, desses que irrefutável. entrava, saía. se
danava. menino como nunca fora o seu: de meter o dedo em tomada, de
correr com os gatos, de rasgar as folhas das plantas. e em tudo isso
ela de novo via o que ninguém podia imaginar, achando só que ela
era permissiva: o homem feito, firme sobre seus próprios pés.
mas
como explicar?
porque
pra ela tinha os estudos, claro. tinha a solidão que sempre a
acompanhara. tinha agora a própria mania de escutar o que não se
diz e ver o que não é luz. e pra quem acredita que o sujeito é só
aquilo que parece ser? difícil. de todo modo, tentava. aparava os
feitos do pequeno, intermediava, dava a cara a tapa – sabendo que
um dia, assim como o ouvira tão logo parira o filho, se veria que
toda malcriação é uma forma de adaptação ao mundo.
e
que mundo! tudo tão cercado de mistério mas tão prenhe de
rudeza... esperava estar sempre por perto pra, quando ele precisasse,
acudir. porque gente adulta é séria demais, dura demais, rígida
demais pra ver nas danações um recado dos céus.
como
mediação, pra não ter raiva do que não deve ter, se recorda: teve
um tempo em que ela também endurecera. longo tempo, em que só cria
naquilo que via, enquanto tudo em redor gritava em cores, em sons, em
atos que ela simplesmente não sabia ler. até que tombou – e foi
tão grande a queda, que acordou. desde então percebe. e pensa. e
porque pensa não como um acaso mas de modo desejado (o que é o
mesmo que dizer: de modo pensado), sabe. não dá conta de mensurar o
que essa forma de ser lhe custou, mas agradece e vai.
por
isso não lhe pesa a vida. o neto, nisso tudo, é quase um lenitivo.
naquilo que o seu entorno vê uma carga, ela percebe a beleza. tem
olhos outros? não, os seus são bem comuns. desde, porém, que se
descobriu não mais dona nem da verdade nem de coisa alguma, foi uma
libertação: podia acertar como podia errar, eita coisa boa! eita
coisa humana! não era deus nem deusa: podia só ser. e se
experimentar. daí que resolveu, como quando era jovem, crer. e crer,
quando não se tem costume, pode dar muito trabalho. mas ela sempre
teve muito trabalho! então crer agora era de uma leveza que só
mesmo quem comeu o pão que o d. amassou pode saber. saber de sabor.
sabor de labor. labor de amor – porque no fundo é tudo um só
exercício.
ah,
mas e o menino? crescia. agora mesmo o pôs pra dormir, enquanto ele
lhe punha à prova: ―
você só sabe cantar essa música? ―
não, sei um monte.
― pois cante outra.
cante uma surpresa.
provocadorzinho, ainda por cima. e
ela, como quem embala não apenas um menino, a desfiar
canções-surpresa
como se o equilíbrio do universo disso dependesse: grave como um
poeta, solta como a própria poesia.
(a proposta dos "contos de parar o tempo" é a de um conto por mês - e tem como referência, ou como inspiração, a proposta do blog duas tábuas, de lívia soares, de um vídeo por dia em 2016. é bem menos do que ela faz, mas é do que dou conta - rs. este primeiro é o do mês de janeiro - sob o sol já em aquário.)
"bença vó" - e parece que de repente vejo o mundo mais bonito.
ResponderExcluirte amo, gigi.
também te amo, adinha. e não só, mas também pelo presente que nos deu, à mim e à vida, de dar à luz o TAO. bj, querida!
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