quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

citação ("pele de foca, pele da alma" - clarissa pinkola estés)



"A foca é um dos mais belos de todos os símbolos da alma selvagem. À semelhança da natureza instintiva das mulheres, as focas são criaturas singulares que evoluíram e se adaptaram através dos séculos. Como a mulher-foca, as focas verdadeiras só vêm à terra firme para procriar e amamentar. A mãe foca é extremamente devotada ao seu filhote por cerca de dois meses, dando-lhe amor e proteção e alimentando-o exclusivamente com as reservas do seu próprio corpo. Durante esse período, o filhote de quinze quilos tem seu peso quadruplicado. Depois, a mãe nada para mar aberto e o filhote já crescido e capaz começa uma vida independente.
Entre grupos étnicos por todo o mundo, incluindo-se muitos da região circumpolar e da África Ocidental, diz-se que os seres humanos não estão realmente animados enquanto a alma não der à luz o espírito, cuidando dele e o amamentando, enchendo-o de força. Acredita-se que, com o tempo, a alma se retire para um lar mais distante enquanto o espírito dá início a uma vida independente no mundo.
O símbolo da foca para a alma é ainda mais irresistível porque há nas focas uma 'docilidade', uma facilidade de acesso bem familiar aos que vivem na proximidade delas. As focas têm uma certa qualidade canina: são afetuosas por natureza. Irradia delas uma espécie de pureza. No entanto, elas também podem ser muito rápidas para reagir, recuar ou retaliar quando ameaçadas. A alma também é assim. Ela paira por perto. Ela alimenta o espírito. Ela não foge quando percebe algo de novo, de incomum ou de difícil.
Pode ocorrer, porém, especialmente quando a foca não está acostumada a seres humanos e fica deitada num daqueles estados de beatitude que parecem acometer as focas de quando em quando, que ela não preveja as atitudes do ser humano. Como a mulher-foca da história, e como a alma de mulheres jovens e/ou inexperientes, ela não percebe as intenções dos outros e o perigo em potencial. E é sempre aí que a pele da foca é roubada.
(...)
Perdemos a pele da alma quando ficamos muito envolvidas com o ego, quando nos tornamos por demais exigentes, perfeccionistas, quando nos martirizamos desnecessariamente, somos dominadas por uma ambição cega ou quando nos sentimos insatisfeitas - com o próprio self, com a família, a comunidade, a cultura, o mundo - e não fazemos nem dizemos nada a respeito disso; também quando fingimos ser uma fonte ilimitada para os outros quando não fazemos o possível para nos ajudar. Ora, existem tantos modos para se perder a pele da alma quantas são as mulheres no mundo.
(...)
Embora saibamos que a pele pode ser perdida com um amor frustrante e devastador, ela também pode ser perdida com um amor certo e profundo. Não é exatamente o fato de uma pessoa ou coisa ser certa ou errada que provoca o roubo da pele da alma; mas seu custo para nós. Trata-se, sim, do que ela nos custa em tempo, energia, observação, atenção, indecisão, sugestões, instruções, ensinamentos, treinos. Esses movimentos da psique são como saques em dinheiro de uma caderneta de poupança psíquica. A questão não está nos próprios saques de energia pois eles são importantes para o toma-lá-dá-cá da vida. No entanto, é a existência de um saque a descoberto que provoca a perda da pele e o embotamento e enfraquecimento dos nossos instintos mais aguçados. É a falta de novos depósitos de energia, conhecimento, reconhecimento, ideias e animação que faz com que a mulher sinta estar morrendo em termos psíquicos.
(...)
A perda da pele significa a perda da nossa proteção, do nosso calor, do nosso sistema de alerta antecipado, da nossa visão instintiva. Sob o aspecto psicológico, o fato de estar sem a pele faz com que a mulher aja como acha que deveria agir, não da forma que ela realmente deseja. Isso faz com que ela acompanhe quem quer que lhe dê a impressão de ser mais forte - quer seja benéfico para ela, quer não. Nesse caso, ela salta demais e olha de menos. Ela brinca em vez de ser direta. Não dá importância para as coisas. Deixa tudo para depois. Ela se recusa a dar o próximo passo, a empreender a descida necessária e a se manter ali o tempo suficiente para que algo aconteça.
(...)
Quando somos jovens e a vida da nossa alma entra em colisão com os desejos e exigências da cultura e do mundo, nós realmente nos sentimos perdidas, longe de casa. No entanto, na idade adulta, continuamos a nos empurrar cada vez mais para longe de casa, em consequência das nossas próprias opções sobre quem, o quê, onde e por quanto tempo. Se nunca nos ensinaram a voltar ao lar profundo da nossa infância, nós repetimos ad infinitum o modelo de 'ser roubada e vaguear perdida por aí'. Entretanto, mesmo que nossas próprias escolhas infelizes nos tenham desviado do curso - para muito longe do que precisamos - não vamos perder a fé, porque no interior da alma está o dispositivo de retorno. Todas nós podemos encontrar nosso caminho de volta."
(retirado de "Mulheres que correm com os lobos" - história "Pele de foca, pele da alma", de Clarissa Pinkola Estés)

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