terça-feira, 8 de maio de 2012

é preciso ter coragem de ser feliz (ousadia)

era uma mulher negra, já com seus mais de cinquenta.
os olhos lacrimejavam - e ela me disse que já foi pior, agora está quase boa.
de minha parte, tinha ido deixar uma gata pra operar no parque das crianças, num esquema montado por meu pai que se articula com deus e quase todo mundo pra fazer com os gatos de rua o que o estado deveria fazer: castrá-los, alimentá-los, proporcionar-lhes o mínimo de dignidade.
e enquanto ele resolvia alguma coisa, eu fiquei olhando as muitas caixas que esperavam pela pessoa que levaria aquelas gatas para a castração.
foi quando ela chegou perto, e puxou conversa a propósito dos gatos.
percebi sua generosidade pela quantidade que cria: 12.
mas dos gatos foi passando pros filhos, pro abandono do marido, pro desolamento de se ver só, sem trabalho, sem casa, sem nada. foi quando falou que interpelou deus. e que até hoje pede perdão, porque "foi dura" com deus. disse: "deus, se é bem aventurado quem cuidou bem de seus pais, por que me deixou cair nesse abandono?"
e disse que teve tal força sua interpelação, que mesmo tendo desmaiado de fome e cansaço, quando acordou era outra. andou até uma fábrica, pediu emprego e conseguiu. não assim como eu narro, mas esperando a pessoa "certa" a quem se dirigir. disse que foi uma graça estar com todos os documentos (e desde então sempre anda com todos os seus documentos), porque não fora isso, não teria tido aquela solução. estava com três dias de parida - e o trabalho era pesado. mas arranjou o dinheiro do aluguel e conseguiu comida.
depois daquilo a vida mudou.
é o que ela diz.
os filhos se criaram.
já chegou a ser bisavó.
mas não esquece que um dia interpelou deus.
e pede perdão até hoje pela sua ousadia.
ao que, depois de tudo ouvir, eu só retruquei:
mas foi essa ousadia que salvou você! 

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