quinta-feira, 2 de agosto de 2018

daquilo que não se diz (da série: guimarãesrosaciando)

a gente, as sovinices, conhece.

quando um alguém por desdém ou por discórdia ou por desprezo 

acha de nos diminuir o direito, de imediato se pressente.

ora, mas nem sempre se pode assumir o que se sabe. perigoso é.

 pode-se cair em armadilha maior, que é a de parecer tonto. 

então o melhor mesmo é calar. remoer de mansinho a dor, 

o estupor, o rancor, mastigar bem mastigadinho o endereçado

 enviesamento entre o percebido e o demonstrado 

até que de mal aquilo lhe comece a fazer bem. 

bom não é e dá trabalho! 

de início parece miragem, tão longe está. 

mas de tanto insistir em não consentir poder de si ao outro, 

uma hora a coisa cede. 

e o mais radioso de tudo é que não é nem quando se deseja nem

 quando se espera: 

é num de repente assim como o beija-flor que por um nada 

deixa a flor e se aproxima da gente: 

vem até bem perto sem razão nenhuma, 

pára o voo no ar, te mira e voa de novo. 

assim é. 

uma hora, nem que te façam todas as sovinices do mundo, 

você não mais se declara. 

digo: 

nem que sim nem que não, 

nem que bom nem que mal, 

nem que bem nem que ruim. 

só olha, repara, sente até alguma dó de quem te faz 

o que por lei não devia desconhecer, 

e segue. 

porque o mundo não se fez num só dia 

nem vai se desfazer numa só noite. 

e tanto tem de acontecido entre o começo e o sem-fim 

que quem sou para julgar o que chega até mim?… 

há mesmo é que se entreter com o que paira um pouco 

além do que o que o destino dá. 

sorver do ar o ar, 

sentir do fogo o fogo, 

acolher a justa inteireza do que a terra oferta 

e do que da água bonita escorre 

pra não mais morrer de véspera nem de atraso. 

deixar-se atravessar, como o rio, 

pelo que lhe corta. 

e como o rio se recompor sem testemunha.

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