a gente, as sovinices, conhece.
quando um alguém por desdém ou por discórdia ou por desprezo
acha de nos diminuir o direito, de imediato se pressente.
ora, mas nem sempre se pode assumir o que se sabe. perigoso é.
pode-se cair em armadilha maior, que é a de parecer tonto.
então o melhor mesmo é calar. remoer de mansinho a dor,
o estupor, o rancor, mastigar bem mastigadinho o endereçado
enviesamento entre o percebido e o demonstrado
―até que de mal aquilo lhe comece a fazer bem.
bom não é ―e dá trabalho!
de início parece miragem, tão longe está.
mas de tanto insistir em não consentir poder de si ao outro,
uma hora a coisa cede.
e o mais radioso de tudo é que não é nem quando se deseja nem
quando se espera:
é num de repente assim como o beija-flor que por um nada
deixa a flor e se aproxima da gente:
vem até bem perto sem razão nenhuma,
pára o voo no ar, te mira e voa de novo.
assim é.
uma hora, nem que te façam todas as sovinices do mundo,
você não mais se declara.
digo:
nem que sim nem que não,
nem que bom nem que mal,
nem que bem nem que ruim.
só olha, repara, sente até alguma dó de quem te faz
o que por lei não devia desconhecer,
e segue.
porque o mundo não se fez num só dia
nem vai se desfazer numa só noite.
e tanto tem de acontecido entre o começo e o sem-fim
que quem sou para julgar o que chega até mim?…
há mesmo é que se entreter com o que paira um pouco
além do que o que o destino dá.
sorver do ar o ar,
sentir do fogo o fogo,
acolher a justa inteireza do que a terra oferta
e do que da água bonita escorre
pra não mais morrer de véspera nem de atraso.
deixar-se atravessar, como o rio,
pelo que lhe corta.
e como o rio se recompor sem testemunha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário