quarta-feira, 24 de setembro de 2014

o dia de minha morte (da série: mapas da alma)


quero morrer um dia
(sim, quero morrer um dia... rs)
como antonia, a da excêntrica família:
quero acordar e saber que será o dia da morte minha.
quero, como sempre faço, 
arrumar a cama depois que ela abrigou o meu cansaço.
quero, porque acho uma beleza,
fazer na casa que me abriga uma limpeza.
quero, depois, reunir 
alguns dos inúmeros parentes 
(irmãos de vida e de planeta,
que me vieram pelos 
laços de sangue ou de veneta)
e fazer uma bela ceia!
quero que a mesa esteja bem 
cheia,
mas que sobretudo tenha pão
(feito em casa!).

então conversar sobre o que nos é caro:
a amizade, o amor, a compaixão,
o cuidado,a bondade, a verdade 
e suas múltiplas versões
― mas tudo com muito riso e soltura,
quem sabe regado a choro e verdura.

...e depois de perder a noção de tempo
(e de olhar uma flor amorosa balançada pelo vento),
a certa altura, chamar meu neto,
aquele que chegou no tempo certo,
e dizer: 
é hoje o dia,
é esta a lua.
e mesmo que seus olhos marejem,
porque teremos até então vivido em enorme sintonia,
ele me dirá:
“é?”
e eu: “sim, preto, é”.
e aí como os elefantes,
eu nalgum momento
ficarei distante:
minha alma vai alçar vôo,
da forma que melhor lhe aprouver.
e quando já do alto
(ou do baixo ou do lado ou de frente:
quem sabe em que direção é que a morte se sente?!)
eu olhar para a minha vida,
saberei que terá sido bem vivida:
amei os homens e mulheres que vieram em minha direção,
amei os bichos que tive todos para além da estimação,
cuidei das minhas plantas, reguei o meu jardim,
fui amada de muita gente mas também de mim,
enfim!
chegado o dia de minha morte,
poderei dizer:  
uau, que sorte!
 (primavera de 2014, aos 24 de setembro)

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