domingo, 7 de janeiro de 2018

dia de reis (da série: contos de parar o tempo)

O que vale mais: a coisa ou a representação que a coisa nos provoca?
Não sei. Creio que depende muito do momento.
Quando se trata da infância, no entanto, toda representação é tão (ou mais) importante que a própria coisa. E assim tem sido com plantar nos netos (diria mais: no neto, que a pequena ainda está se aproximando) isso dos ritos. O rito de despertar, de olhar o próprio cocô, o rito de banhar-se, de escovar os dentes, de comemorar mas também de se recolher, o rito da leitura (de verdade ou de cabeça, pouco importa) antes de dormir, o rito de cantar e acalentar, o rito de cozinhar e comer, de se admirar das coisas bonitas, de reparar na natureza, de ver mas também de não só ver as imagens que já vêm prontas (televisão, vídeos, celulares, computadores), enfim.
E no meio desses ritos todos, o rito de quando chega e quando parte o Natal. Neste Natal, o pequeno, ao ver esperando por ele a caixa com os enfeites e a árvore que devia ser decorada, montou sozinho a árvore, inclusive ligando-a na eletricidade. O que 5 anos já não fazem num ser humano!
Pois. E agora, chegado janeiro e chegado o dia 6, combinei com ele de desmontar, também de forma ritualística, a árvore. O mais lindo foi que quando não dava mais pra adiar esse momento, ele, como eu, se emocionou e abraçou a árvore nua (nossa árvore lembra mais as do semiárido que os pinheiros mais comumente eleitos pra essa época) e dizia: eu gosto tanto dessa árvore!!! Ri e fiquei feliz com isso, porque para mim os dois meses em que as luzinhas da árvore iluminam nosso cotidiano (que coincidem com as luzes que o cristal tocado pelo sol também espalha pela casa) são uma graça por si só e ver o pequeno dar-se conta de que algo muda com esse apagar-se momentâneo, é já também uma outra graça.
Há quem ache tudo isso uma bobagem, uma besteira e eu respeito, guardada a distância necessária entre esse modo duro de lidar com os ciclos e os que eu cultivo. Só penso em quanto não se perde ao não se alimentar nas crianças o sentimento de reverência pelos mistérios. Porque é um mistério (e grande) o Sol girar de modo a, em determinada época do ano, lançar luz dentro da minha casa e essa luz se espalhar de maneira multicolorida pelos móveis, paredes, pessoas... Como é um mistério o ter havido pessoas, os reis magos, que seguiram uma estrela e deram com um menino numa manjedoura, menino esse aguardado por milênios e cuja passagem por este planeta até hoje não compreendemos, de fato.

O que sei é que, tanto quanto possa, eu planto nos pequenos que me rodeiam esse estado de con.sideração ou seja, de acolher o que o Cosmos nos manda e que a cada ciclo temos a oportunidade de renovar, como quem cultiva uma semente e a rega e a cuida e a vê crescer, até que um dia ela amadureça e dê frutos, e novas sementes e assim siga até enquanto o mundo puder ser.

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