quinta-feira, 26 de março de 2015

citação (da série: é preciso ter coragem)

                 
Vitória Nossa (Clarice Lispector)
                 "O que temos feito e a isso considerado vitória nossa de cada dia.

                 Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos ser tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos, nem aos outros. Não temos tido nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais e ficado do lado de fora, pois as catedrais que nós mesmos construímos tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos pois isso seria o começo de uma vida larga e talvez sem consolo. Temos evitado cair de joelho diante do primeiro que por amor diga: tenho medo. Temos organizado associações de pavor sorridente onde se serve a bebida com soda. Temos procurado salvar-nos, mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de amor e de ódio. Temos mantido em segredo a nossa morte. Temos disfarçado com amor nossa indiferença, disfarçado nossa indiferença com a angústia, disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior. Não temos adorado, por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer 'pelo menos não fui tolo', e assim não chorarmos antes de apagar a luz. Temos tido a certeza de que eu também e você também, e por isso todos sem saber se amam. Temos sorrido em público do que não sorrimos quando ficamos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso temos considerado a vitória nossa de cada dia..."

quinta-feira, 12 de março de 2015

da arte de amar (da série: amores presentes)

deus ou deusas,
me permitam a aventura da paixão!
me permitam amar sem economia:
me permitam a poesia!
me permitam superar as sovinices,
as prevenções que só geram caduquices:
me permitam me jogar sem rede de proteção!

deus ou deusas,
me permitam a aventura de me dar!
me permitam dizer sim
sem achar que por isso tenha que em seguida dizer não:
me permitam ser o melhor de mim!
me permitam a admiração
a reverência
o respeito
a devoção
pelo ser que tenho à minha frente,
que me devolve a mim triste ou contente
e me permite deparar-me
com a minha própria e.moção!
me permitam demonstrar a boniteza 
que é gostar com a maior delicadeza
a despeito de
passado/futuro 
ou pre.tensão!

deus ou deusas,
me permitam
desfrutar do meu tesão!
me permitam ser feliz
neste presente!
me permitam mergulhar
no oceano que é o Outro
sem querer reduzi-lo
aos meus enganos
e enfeiá-lo com o que
tece a minha mente!
me permitam o encontro não marcado,
me permitam o atraso nos trabalhos,
me permitam a respiração de perto,
o sorriso aberto,
a des.contração!

deus ou deusas,
me permitam a ventura de quem vive!
que por esse e por todos os amores,
se absolva de todos os temores
quem se lance como em queda
ou voo livre!

amém!